sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fugere Urbem

 
     Navegando em um barco, com os remos sobre o asfalto, paro sobre o crepitar de um sinal fechado. A encruzilhada na espreita, olhos postos sobre mim...E paro para olhar a Lua, um só instante, no céu cheio de luzes de postes.
     Sigo reto, com medo das esquinas: é nas esquinas das ruas que toco o limiar entre o sim ou o não. Remo mais um pouco, olhos abatidos, olhos para os lados...Tantos barcos sem remo, tantos pescadores sem barco, tantos remos quebrados, tantos olhos cansados...Como se cada alma caminhasse para o vazio...Como se tudo pertencesse a um buraco cinza, de concreto, onde não há dor...ou refúgio.
   Meus braços fraquejam, teimam em tremer vagarosamente...Como se até o cansaço soasse mórbido. Como se cada força, cada luz que não fosse artificial, fosse sugada para o buraco de concreto. Como cadáveres vivos, caminhamos todos sempre na mesma direção, sem olhar para a esquina, sem parar: olhos fixos, corpo rígido, sorrisos falsos para os lados. Já não há mais máscaras: é carne nua que sorri como robô.   
   O sinal desfigura-se em verde fosco. Barcos outros movem-se, movem-se, movem-se...Como  se buscassem a si mesmos. Meus olhos tremem, por um instante, ao olhar para a esquina...E sinto um leve toque no rosto, acariciando a pele sem cor, fechando os olhos que há muito não fechavam, farfalhando umidade sobre meus lábios...era uma brisa.
   Então, por desespero ou necessidade, não se sabe se por um impulso qualquer, ou por razão desconhecida, meu corpo moveu-se, vagarosamente, dobrando a rua. Olhei para os outros, que permaneciam em frente. Quis voltar mas não pude; meus músculos pareciam quebrar com o esforço, meu corpo queria descansar mas não sabia. Sozinha em mais uma rua, olhei para a Lua. E vi que já não haviam luzes de postes.
     Senti algo bater: Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum...O QUE É? QUEM ESTÁ AI? Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum...SAIA, SAIA! DEIXE-ME EM PAZ! Tum-tum, tum-tum, tum-tum...Remei desesperadamente, mas o barulho me perseguia...Senti minhas mãos sufocando os remos, meu barco riscando o asfalto, meu suor escorrendo...Suor? O que era isso? Minha boca se contorcia em algo disforme, o que seria? E que barulho? E que esquina?Onde estão os postes? Ou estou e..
      Foi então que meu barco calou, suavemente. Meus braços já não precisavam mais remar. Meu corpo foi jogado para trás e entendi que aquilo era descansar: quando abri os olhos e vi o céu cheio de pontos de luz olhando para mim; e a Lua, bem no meio, branca e singela. Foi naquele instante que compreendi que estava viva..que meu coração ainda batia dentro do peito..Foi quando um sorriso (ah, um sorriso!) se desenhou em linhas completas no rosto cercado de carícias do vento. Foi quando meus ouvidos puderam ouvir um balanço crescente que envolvia meu barco, batendo na madeira lentamente...Foi quando pude levantar meu olhar  e avistar o infinito azul em que agora eu navegava...
     O Mar...!
   

"Cogito, ergo sum"